quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013


RESUMO DE AVALIAÇÃO E EDUCAÇÃO

Resumo elaborado a partir do Material produzido pela Professora Coordenadora - Claudia de Oliveira Fernandes.

Texto Introdutório


Avaliar é um processo que acontece ao longo de todo o percurso de aprendizagem dos estudantes. Sem avaliar não há construção de conhecimentos, não há aprendizagens.
Ela está presente cotidianamente em nossas vidas. Na maioria das vezes, não nos damos conta dela, mas desde a hora que acordamos até a hora em que dormimos avaliamos situações desde as mais corriqueiras até as mais sérias: em casa, no trabalho, na escola, etc..
Em situações formais de aprendizagem, ou seja, na escola, no trabalho, os processos de avaliação precisam ser planejados, organizados, formalizados a partir de planos e instrumentos. Os instrumentos de avaliação são as provas, os testes, os trabalhos, os relatórios no trabalho. Esses instrumentos não podem e não devem ser confundido com a própria avaliação.
O processo de avaliar envolve fazer um diagnóstico de uma situação, seja ela a aprendizagem de um aluno, o desenvolvimento de um projeto, a saúde de um paciente, depois envolve estabelecer formas de atuar para melhorar a situação, no que for necessário, depois de diagnosticada, tomar decisões a partir da ação implementada.
Avaliação em educação envolve três níveis que se interrelacionam: um nível micro, ou seja, da sala de aula, pois pode referir-se à avaliação da aprendizagem dos estudantes, avaliação dos projetos desenvolvidos pelos professores com suas turmas; um nível meso, ou seja, da escola, pois pode referir-se à avaliação da instituição, a partir da avaliação do projeto político- pedagógico e, por fim, de um nível macro, ou seja, das redes de ensino seja em nível municipal, estadual ou federal. Trata-se das avaliações de sistemas educacionais, como por exemplo, a Prova Brasil, Provinha Brasil, SAEB, ENEM, SINAES, etc.
Falar da avaliação da aprendizagem implica, em primeiro lugar, entender que o professor avalia a aprendizagem do aluno e não o aluno. Isso é um ponto de partida importante para se entender que a avaliação faz parte do processo de ensinar e aprender. Porém, muitas vezes, os processos de avaliação deixam marcas nas trajetórias escolares dos estudantes, pois ao contrário de serem bússolas reguladoras das aprendizagens, tornam-se apenas instrumentos classificatórios e seletivos com o único propósito de aprovar ou reprovar os estudantes. E essa concepção seletiva de avaliação não considera as diferenças e as infinitas possibilidades e formas de aprender das pessoas.


AULA 1: O QUE É MESMO O ATO DE AVALIAR A APRENDIZAGEM?1

Cipriano Carlos Luckesi

A avaliação da aprendizagem não é e não pode continuar sendo a tirana da prática educativa, que ameaça e submete a todos. Chega de confundir avaliação da aprendizagem com exames. A avaliação da aprendizagem, por ser avaliação, é amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva, diversa dos exames, que não são amorosos, são excludentes; não são construtivos, mas classificatórios. A avaliação inclui, traz para dentro; os exames selecionam, excluem, marginalizam.
O ato de avaliar, devido a estar a serviço da obtenção do melhor resultado possível, antes de mais nada, implica a disposição de acolher. Isso significa a possibilidade de tomar uma situação da forma como se apresenta, seja ela satisfatória ou insatisfatória, agradável ou desagradável, bonita ou feia. Ela é assim, nada mais. Acolhê-la como está é o ponto de partida para se fazer qualquer coisa que possa ser feita com ela. Avaliar um educando implica, antes de mais nada, acolhê-lo no seu ser e no seu modo de ser, como está, para, a partir daí, decidir o que fazer.
A disposição de acolher está no sujeito do avaliador, e não no objeto da avaliação. O avaliador é o adulto da relação de avaliação, por isso ele deve possuir a disposição de acolher. Ele é o detentor dessa disposição. E, sem ela, não há avaliação. Não é possível avaliar um objeto, uma pessoa ou uma ação caso ela seja recusada ou excluída desde o início ou mesmo julgada previamente. Que mais se pode fazer com um objeto, ação ou pessoa que foram recusados desde o primeiro momento? Nada, com certeza!
A disposição para julgar previamente não serve a uma prática de avaliação porque exclui.
A avaliação só nos propiciará condições para a obtenção de uma melhor qualidade de vida se estiver assentada sobre a disposição para acolher, pois é a partir daí que podemos construir qualquer coisa que seja.
POR UMA COMPREENSÃO DO ATO DE AVALIAR
Assentado no ponto de partida acima estabelecido, o ato de avaliar implica dois processos articulados e indissociáveis: diagnosticar e decidir. Não é possível uma decisão sem um diagnóstico, e um diagnóstico sem uma decisão é um processo abortado.
Em primeiro lugar, vem o processo de diagnosticar, que constitui-se de uma constatação e de uma qualificação do objeto da avaliação. Antes de mais nada, portanto, é preciso constatar o estado de alguma coisa (um objeto, um espaço, um projeto, uma ação, a aprendizagem, uma pessoa...), tendo por base suas propriedades específicas.
A constatação sustenta a configuração do “objeto”, tendo por base suas propriedades como estão no momento. O ato de avaliar, como todo e qualquer ato de conhecer, inicia-se pela constatação, que nos dá a garantia de que o objeto é como é. Não há possibilidade de avaliação sem a constatação, que oferece a “base material” para a segunda parte do ato de diagnosticar, que é qualificar, ou seja, atribuir uma qualidade, positiva ou negativa, ao objeto que está sendo avaliado. No exemplo mencionado, qualifico a cadeira como satisfatória ou insatisfatória, tendo por base as suas propriedades atuais. Só a partir da constatação é que qualificamos o objeto de avaliação. A partir dos dados constatados é que atribuímos-lhes uma qualidade. Essa qualificação não se dá no vazio. Ela é estabelecida a partir de um determinado padrão, de um determinado critério de qualidade que temos, ou que estabelecemos, para este objeto.
O ato de qualificar, por si, implica uma tomada de posição – positiva ou negativa – que, por sua vez, conduz a uma tomada de decisão.
Sem este ato de decidir, o ato de avaliar não se completa. Ele não se realiza. Chegar ao diagnóstico é uma parte do ato de avaliar. A situação de “diagnosticar sem tomar uma decisão” assemelha-se à situação do náufrago que, após o naufrágio, nada com todas as suas forças para salvar-se e, chegando às margens, morre antes de usufruir do seu esforço. Diagnóstico sem tomada de decisão é um curso de ação avaliativa que não se completou.
O ato de avaliar não é um ato neutro que se encerra na constatação. Ele é um ato dinâmico que implica a decisão de “o que fazer”. Como a qualificação, a tomada de decisão também não se faz num vazio teórico. Toma-se decisão em função de um objetivo que se tem a alcançar.
Em síntese, avaliar é um ato pelo qual, através de uma disposição acolhedora, qualificamos alguma coisa (um objeto, ação ou pessoa), tendo em vista, de alguma forma, tomar uma decisão sobre ela.
Quando atuamos junto a pessoas, a qualificação e a decisão necessitam ser dialogadas. O ato de avaliar não é um ato impositivo, mas sim um ato dialógico, amoroso e construtivo. Desse
modo, a avaliação é um auxiliar de uma vida melhor, mais rica e mais plena, em qualquer de seus setores, desde que constate, qualifique e oriente possibilidades novas e, certamente, mais adequadas porque assentadas nos dados do presente.
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR
Iniciemos pela disposição de acolher. Para se processar a avaliação da aprendizagem, o educador necessita dispor-se a acolher o que está acontecendo. Certamente o educador poderá ter alguma expectativa em relação a possíveis resultados de sua atividade, mas necessita estar disponível para acolher seja lá o que for que estiver acontecendo.
Importa estar disponível para acolhê-la do jeito em que se encontra, pois só a partir daí é que se pode fazer alguma coisa.
Mais: no caso da aprendizagem, como estamos trabalhando com uma pessoa – o educando –, importa acolhê-lo como ser humano na sua totalidade, e não só na aprendizagem específica que estejamos avaliando, tais como língua portuguesa, matemática, geografia...
Acolher o educando, eis o ponto básico para proceder a atividades de avaliação, assim como para proceder a toda e qualquer prática educativa. Sem acolhimento, temos a recusa. E a recusa significa a impossibilidade de estabelecer um vínculo de trabalho educativo com quem está sendo recusado.
A recusa pode se manifestar de muitos modos, desde os mais explícitos até os mais sutis. A recusa explícita se dá quando deixamos claro que estamos recusando alguém. Porém, existem modos sutis de recusar, tal como no exemplo seguinte: só para nós, em nosso interior, sem dizer nada para ninguém, julgamos que um aluno X “é do tipo que dá trabalho e que não vai mudar”. Esse juízo, por mais silencioso que seja em nosso ser, está lá colocando esse educando de fora. E, por mais que pareça que não, estará interferindo em nossa relação com ele. Ele sempre estará fora do nosso círculo de relações. Acolhê-lo significa estar aberto para recebê-lo como é. E só vendo a situação como é podemos compreendê-la para, dialogicamente, ajudá-lo.
Isso não quer dizer aceitar como certo tudo que vem do educando. Acolher, neste caso, significa a possibilidade de abrir espaço para a relação que, por si mesma, terá confrontos que poderão ser de aceitação, de negociação, de redirecionamento.
Assentados no acolhimento do nosso educando, podemos praticar todos os atos educativos, inclusive a avaliação. E, para avaliar, o primeiro ato básico é o de diagnosticar, que implica, como seu primeiro passo, coletar dados relevantes que configurem o estado de aprendizagem do educando ou dos educandos. Para tanto, necessitamos de instrumentos. Aqui, temos três pontos básicos a levar em consideração: 1) dados relevantes; 2) instrumentos; 3) utilização dos instrumentos.
Os dados coletados para a prática da avaliação da aprendizagem não podem ser quaisquer dados. Deverão ser coletados os dados essenciais para avaliar aquilo que estamos pretendendo avaliar. São os dados que caracterizam especificamente o objeto em pauta de avaliação, ou seja, a avaliação não pode assentar-se sobre dados secundários do ensino-aprendizagem, mas, sim, sobre os que efetivamente configuram a conduta ensinada e aprendida pelo educando. Dados essenciais são aqueles que estão definidos nos planejamentos de ensino, a partir de uma teoria pedagógica, e que foram traduzidos em práticas educativas nas aulas.
Isso implica que o planejamento de ensino necessita ser produzido de forma consciente e qualitativamente satisfatória, tanto do ponto de vista científico como do ponto de vista político-pedagógico.
Os instrumentos de avaliação da aprendizagem também não podem ser quaisquer instrumentos, mas sim os adequados para coletar os dados que estamos necessitando para configurar o estado de aprendizagem do nosso educando.
Que os instrumentos:
a) sejam adequados ao tipo de conduta e de habilidade que estamos avaliando (informação, compreensão, análise, síntese, aplicação...);

b) sejam adequados aos conteúdos essenciais planejados e, de fato, realizados no processo de ensino (o instrumento necessita cobrir todos os conteúdos que são considerados essenciais numa determinada unidade de ensino-aprendizagem);
c) sejam adequados na linguagem, na clareza e na precisão da comunicação (importa que o educando compreenda exatamente o que se está pedindo a ele);
d) sejam adequados ao processo de aprendizagem do educando (um instrumento não deve dificultar a aprendizagem do educando, mas, ao contrário, servir-lhe de reforço do que já aprendeu. Responder às questões significativas significa aprofundar as aprendizagens já realizadas).
Um instrumento inadequado ou defeituoso pode distorcer completamente a realidade e, por isso, oferecer base inadequada para a qualificação do objeto da avaliação, e, consequentemente, conduzir a uma decisão também distorcida.
Quaisquer que sejam os instrumentos – prova, teste, redação, monografia, dramatização, exposição oral, argüição... –, necessitam manifestar qualidade satisfatória como instrumentos para ser utilizados na avaliação da aprendizagem escolar, sob pena de estarmos qualificando inadequadamente nossos educandos e, conseqüentemente, praticando injustiças. Muitas vezes, nossos educandos são competentes em suas habilidades, mas nossos instrumentos de coleta de dados são inadequados e, por isso, os julgamos, incorretamente, como incompetentes. Na verdade, o defeito está em nossos instrumentos, e não no seu desempenho. Bons instrumentos de avaliação de aprendizagem são condições de uma prática satisfatória de avaliação na escola.
Podemos utilizar um instrumento de avaliação junto aos nossos educandos simplesmente como um recurso de coletar dados sobre suas condutas aprendidas ou podemos utilizar esse mesmo instrumento como recurso de disciplinamento externo e aversivo, através da ameaça da reprovação, da geração do estado de medo, da submissão, e outros. Aplicar instrumentos de avaliação exige muitos cuidados para que não distorçam a realidade, visto que nossos educandos são seres humanos e, nessa condição, estão submetidos às múltiplas variáveis intervenientes em nossas experiências de vida.
Os dados coletados devem retratar o estado de aprendizagem em que o educando se encontra, importa saber se este estado é satisfatório ou não. Daí, então, a necessidade que temos de qualificar a aprendizagem, manifestada através dos dados coletados, necessitamos utilizar-nos de um padrão de qualificação. O padrão ao qual vamos comparar o estado de aprendizagem do educando é estabelecido no planejamento de ensino, importam, para a prática da qualificação dos dados de aprendizagem dos educandos, tanto a teoria pedagógica que a sustenta como o planejamento de ensino que fizemos.
A teoria pedagógica dá o norte da prática educativa e o planejamento do ensino faz a mediação entre a teoria pedagógica e a prática de ensino na aula. Sem eles, a prática da avaliação escolar não tem sustentação.
Para qualificar a aprendizagem de nossos educandos, importa, de um lado, ter clara a teoria que utilizamos como suporte de nossa prática pedagógica e, de outro, o planejamento de ensino que estabelecemos como guia para a nossa prática de ensinar no decorrer das unidades de ensino
do ano letivo. Sem uma clara e consistente teoria pedagógica e sem um satisfatório planejamento de ensino, com sua conseqüente execução, os atos avaliativos serão praticados aleatoriamente, de forma mais arbitrária do que o são em sua própria constituição.
O ato avaliativo só se completará, como dissemos nas páginas preliminares desse estudo, com a tomada de decisão do que fazer com a situação diagnosticada.
A decisão do que fazer se impõe no ato de avaliar, pois, em si mesmo, ele contém essa possibilidade e essa necessidade. A avaliação não se encerra com a qualificação do estado em que está o educando ou os educandos. Ela obriga a decisão, não é neutra. A avaliação só se completa com a possibilidade de indicar caminhos mais adequados e mais
satisfatórios para uma ação que está em curso. O ato de avaliar implica a busca do melhor e mais satisfatório estado daquilo que está sendo avaliado.
A avaliação da aprendizagem, deste modo, nos possibilita levar à frente uma ação que foi planejada dentro de um arcabouço tanto teórico como político. Não será qualquer resultado que satisfará, mas sim um resultado compatível com a teoria e com a prática pedagógica que estamos utilizando.
Avaliar a aprendizagem escolar implica estar disponível para acolher nossos educandos no estado em que estejam para, a partir daí, poder auxiliá-los em sua trajetória de vida. Para tanto, necessitamos de cuidados com a teoria que orienta nossas práticas educativas, assim como de cuidados específicos com os atos de avaliar, que, por si, implicam diagnosticar e renegociar permanentemente o melhor caminho para o desenvolvimento, o melhor caminho para a vida. Por conseguinte, a avaliação da aprendizagem não implica aprovação ou reprovação do educando, mas sim orientação permanente para o desenvolvimento, tendo em vista tornar-se o que o seu SER pede.
A qualidade de vida deve estar sempre posta à nossa frente. Ela é o objetivo. A prática de avaliação da aprendizagem, para manifestar-se como tal, deve apontar para a busca do melhor de todos os educandos; por isso, é diagnóstica, e não voltada para a seleção de uns poucos, como se comportam os exames. Por si, a avaliação, como dissemos, é inclusiva e, por isso mesmo, democrática e amorosa. Por ela, por onde quer que se passe, não há exclusão, mas sim diagnóstico e construção. Não há submissão, mas sim liberdade. Não há medo, mas sim espontaneidade e busca. Não há chegada definitiva, mas sim travessia permanente em busca do melhor. Sempre!

AULA 2: POR QUE SE DEVE AVALIAR?
Antonio Zabala
A função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os "mais aptos" para a universidade. Ela abarca outras dimensões da personalidade

A avaliação é basicamente considerada como um instrumento sancionador e qualificador, em que o sujeito da avaliação é o aluno e somente o aluno, e o objeto da avaliação são as aprendizagens realizadas segundo certos objetivos mínimos para todos.

Mesmo assim, já faz muito tempo que, a partir da literatura pedagógica, as declarações de princípios das reformas educacionais empreendidas em diferentes países e grupos de educadores mais inquietos propõem formas de entender a avaliação que não se limitam à valoração dos resultados obtidos pelos alunos. O processo seguido por eles, o progresso pessoal e o processo coletivo de ensino-aprendizagem aparecem como elementos ou dimensões da avaliação.

É possível encontrar definições de avaliação bastante diferentes e, em muitos casos, bastante ambíguas, cujos sujeitos e objetos de estudo aparecem de maneira confusa e indeterminada. Em alguns casos, o sujeito da avaliação é o aluno; em outros, é o grupo/classe e, inclusive, o professor ou a equipe docente. Quanto ao objeto da avaliação, às vezes é o processo de aprendizagem seguido pelo aluno ou os resultados obtidos, enquanto outras vezes se desloca para a própria intervenção do professor.

Esse ponto de vista é plenamente justificável, já que os processos que têm lugar na aula são processos globais em que é difícil − e certamente desnecessário − separar os diferentes elementos que os compõem. Nossa tradição avaliadora tem-se centrado exclusivamente nos resultados obtidos pelos alunos. Assim, é conveniente dar-se conta de que, ao falar de avaliação na sala de aula, pode-se aludir em particular a algum dos componentes do processo de ensino-aprendizagem, como também a todo o processo em sua globalidade.

Os sujeitos e os objetos da avaliação
Como em outras variáveis do ensino, muitos dos problemas de compreensão do que acontece nas escolas não são devidos tanto às dificuldades reais, mas sim aos hábitos e costumes acumulados de uma tradição escolar cuja função básica sempre foi seletiva e propedêutica. Em uma concepção do ensino centrado na seleção dos alunos mais preparados para continuar a escolarização até os estudos universitários, é lógico que o sujeito da avaliação seja o aluno e que se considerem como objeto da avaliação as aprendizagens alcançadas em relação às necessidades futuras que foram estabelecidas - as universitárias. Dessa forma, dá-se prioridade a uma clara função sancionadora: qualificar e sancionar desde pequenos aqueles que podem triunfar nessa carreira até a universidade.

Podemos entender que a função social do ensino não consiste apenas em promover e selecionar os "mais aptos" para a universidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade. Quando a formação integral é a finalidade principal do ensino e, portanto, seu objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa e não apenas as cognitivas, muitos dos pressupostos da avaliação mudam. Em primeiro lugar, e isto é muito importante, os conteúdos de aprendizagem a serem avaliados não serão unicamente conteúdos associados às necessidades do caminho para a universidade. Será necessário também levar em consideração os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que promovam as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.
O objetivo do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um.
O problema não está em como conseguir que o máximo de alunos tenham acesso à universidade, mas em como conseguir desenvolver ao máximo todas as suas capacidades e, entre elas, evidentemente aquelas necessárias para que cheguem a ser bons profissionais. Tudo isso envolve mudanças substanciais tanto nos conteúdos da avaliação quanto no caráter e na forma das informações que devem ser proporcionadas sobre o conhecimento que se tem das aprendizagens realizadas, considerando as capacidades previstas.
Avaliação formativa: inicial, reguladora e final integradora
A tomada de posição em relação às finalidades do ensino, relacionada a um modelo voltado á formação integral da pessoa, implica mudanças fundamentais, especialmente nos conteúdos e no sentido da avaliação. Além disso, quando na análise da avaliação introduzimos a concepção construtivista do ensino e da aprendizagem como referencial psicopedagógico, o objeto da avaliação deixa de se focar exclusivamente nos resultados obtidos para se situar prioritariamente no processo de ensino-aprendizagem, tanto do grupo/classe quanto de cada um dos alunos. Por outro lado, o sujeito da avaliação não apenas se centra no aluno, como também na equipe que intervém no processo.
Procedemos de uma tradição educacional prioritariamente uniformizadora, que parte do princípio de que as diferenças entre os alunos da mesma faixa etária não são motivo suficiente para mudar as formas de ensino, mas que constituem uma evidência que valida a função seletiva do sistema e, por conseguinte, sua capacidade para escolher os melhores.
O conhecimento que temos sobre como as aprendizagens são produzidas revela a extraordinária singularidade desses processos, de tal maneira que cada vez é mais difícil estabelecer propostas universais que vão além da constatação dessas diferenças e singularidades. O fato de que as experiências vividas constituam o valor básico de qualquer aprendizagem obriga a levar em conta a diversidade dos processos de aprendizagem e, portanto, a necessidade de que os processos de ensino− e sobretudo os avaliadores − não apenas os observem, mas também os tomem como eixo vertebrador.
Aceitamos que cada aluno chega à escola com uma bagagem determinada e diferente em relação às experiências vividas, conforme o seu ambiente sociocultural e familiar, sendo condicionado por suas características pessoais. Essa diversidade óbvia implica a relativização de duas das invariáveis das propostas uniformizadoras - os objetivos, os conteúdos e a forma de ensinar - e a exigência de serem tratadas em função da diversidade dos alunos.
A avaliação já não pode ser estática, baseada na análise de resultado, porque se torna um processo. E uma das primeiras fases do processo consiste em conhecer o que cada um dos alunos sabe, sabe fazer e é, juntamente com o que pode chegar a saber, saber fazer ou ser e como aprendê-lo. A avaliação é um processo cuja primeira fase denomina-se avaliação inicial.
O conhecimento do que cada aluno sabe, sabe fazer e como é torna-se o ponto de partida que nos permite, em relação aos objetivos e conteúdos de aprendizagem previstos, estabelecer o tipo de atividades e tarefas que devem favorecer a aprendizagem de cada um. Isso nos proporciona referências para definir uma proposta hipotética de intervenção, a organização de uma série de atividades de aprendizagem que, dada nossa experiência e nosso conhecimento pessoais, supomos que possibilitará o progresso dos alunos. Porém, não é mais do que uma hipótese de trabalho, já que dificilmente a resposta a nossas propostas será sempre a mesma, nem a que nós esperamos.
No processo de aplicação do plano de intervenção previsto em sala de aula, será necessário adequar às necessidades de cada aluno as diferentes variáveis educativas: as tarefas e as atividades, seu conteúdo, as formas de agrupamento, os tempos, etc. Conforme se desenvolvam o plano previsto e a resposta dos alunos a nossas propostas, haveremos de ir introduzindo atividades novas que comportem desafios mais adequados e ajudas mais contingentes. O conhecimento de como cada aluno aprende ao longo do processo de ensino-aprendizagem, para se adaptar às novas necessidades que se colocam, é o que podemos chamar de avaliação reguladora. Alguns educadores, e o próprio vocabulário da reforma educacional, utilizam o termo avaliação formativa.
Essa opção permite reservar o termo formativo para uma determinada concepção da avaliação em geral, entendida como aquela que tem como propósito a modificação e a melhora contínua do aluno que se avalia, ou seja, que entende que a finalidade da avaliação é ser um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo momento, as propostas educacionais mais adequadas.
A fim de validar as atividades realizadas, conhecer a situação de cada aluno e poder tomar as medidas educativas pertinentes ajudará a sistematizar o conhecimento do progresso seguido. Isso requer, por um lado, apurar os resultados obtidos (as competências alcançadas em relação aos objetivos previstos); por outro, implica analisar o processo e a progressão que cada aluno seguiu, com vistas a continuar sua formação levando em conta suas características específicas.
O conhecimento do resultado obtido e a análise do processo que o aluno seguiu. Prefiro utilizar o termo avaliação final para me referir aos resultados obtidos e aos conhecimentos adquiridos e reservar o termo avaliação somativa ou integradora para o conhecimento e a avaliação de todo o percurso do aluno. Assim, a avaliação somativa ou integradora é entendida como um informe global do processo que, a partir do conhecimento inicial (avaliação inicial), manifesta a trajetória seguida pelo aluno, as medidas específicas que foram tomadas, o resultado final de todo o processo e, em especial, a partir desse conhecimento, as previsões sobre o que é necessário continuar fazendo ou o que é necessário fazer de novo.
O aperfeiçoamento da prática educativa é o objetivo básico de todo educador. E entende-se esse aperfeiçoamento como meio para que todos os alunos atinjam o maior grau de competências, conforme suas possibilidades reais. O alcance dos objetivos por parte de cada aluno é um alvo que exige conhecer os resultados e os processos de aprendizagem que os alunos seguem. E, para melhorar a qualidade do ensino, é preciso conhecer e poder avaliar a intervenção pedagógica dos professores, de modo que a ação avaliadora observe simultaneamente os processos individuais e grupais. Refiro-me tanto aos processos de aprendizagem quanto aos de ensino, já que, de uma perspectiva profissional, o conhecimento relativo a como os alunos aprendem é, em primeiro lugar, um meio para ajudá-los em seu crescimento e, em segundo lugar, o instrumento que nos permite melhorar nossa atuação em aula.
AULA 4: CURRÍCULO E AVALIAÇÃO
Cláudia de Oliveira Fernandes
Entendendo a avaliação como algo inerente aos processos cotidianos e de aprendizagem, em que todos os sujeitos estão envolvidos, pretendemos, com este texto, levar à reflexão de que a avaliação na escola não pode ser compreendida como algo à parte, isolado, já que tem subjacente uma concepção de educação e uma estratégia pedagógica. Também pretendemos estimular a
equipe escolar a questionar conceitos já arraigados no campo da avaliação, e entender a avaliação escolar como parte de uma ação coletiva que envolve toda a equipe da escola.
Contudo, nossas práticas, imbuídas de concepções, representações e sentidos, ou seja, repletas de ações que fazem parte de nossa cultura, de nossas crenças, expressam um “certo modo” de ver o mundo. Esse “certo modo” de ver o mundo, que está imbricado na ação do professor, traz para nossas ações reflexos de nossa cultura e de nossas práticas vividas. Isso, no que se relaciona com a avaliação escolar, fica ainda mais forte, na medida em que a avaliação é entendida como um fator de medida da qualidade da educação escolar.
Em termos de educação escolar, os melhores seguirão em frente, os piores voltarão para o início da fila, refazendo todo o caminho percorrido ao longo de um período de
estudos. Essa concepção é naturalmente incorporada em nossas práticas e nos esquecemos de pensar sobre o que, de fato, está oculto e encoberto por ela.
Em nossa sociedade, de um modo geral, ainda é bastante comum as pessoas entenderem que não se pode avaliar sem que os estudantes recebam uma nota pela sua produção. Avaliar aparece como sinônimo de medida, de atribuição de um valor em forma de nota ou conceito. Porém, nós, professores, temos o compromisso de ir além do senso comum e não confundir avaliar com medir. Avaliar é um processo em que realizar provas, testes, atribuir notas ou conceitos representa apenas parte do todo.
Avaliar a aprendizagem do estudante não começa nem muito menos termina quando
atribuímos uma nota à aprendizagem. A educação escolar é cheia de intenções, visa atingir determinados objetivos educacionais, sejam estes relativos a valores, atitudes ou aos conteúdos escolares.

A relação da avaliação com diferentes aspectos da escola

Numa perspectiva sistêmica, percebe-se que novas práticas avaliativas não devem vir
desacompanhadas de outros aspectos, tais como: a autonomia da unidade escolar, um currículo dinâmico, flexível e contextualizado, formação continuada dos professores, valorização do trabalho coletivo na escola, a continuidade das propostas pedagógicas, respeitando-se o tempo escolar como um tempo distinto do tempo das políticas administrativas. Vale ressaltar que, partindo de uma perspectiva sistêmica, quando as mudanças ocorrem de forma parcial ou fragmentária nas escolas ou nas redes escolares, seu efeito conjunto não alcança uma modificação substantiva
nas práticas tradicionais arraigadas e, principalmente, nas práticas avaliativas.
Mudanças na avaliação escolar implicam mudanças nas relações entre as famílias e as escolas, na organização das turmas e no tratamento individual das necessidades dos alunos. Pensar a mudança na avaliação implica também pensar na didática e nos métodos de ensino, nas relações que se estabelecem entre professor e aluno, nos planejamentos, nas questões curriculares, no sistema de seleção dos alunos, na política institucional.

Avaliação é parte do processo pedagógico
A avaliação, entendida como parte do processo de ensino e aprendizagem, pode ser usada tanto no sentido de um acompanhamento do desenvolvimento do estudante, como no sentido de uma apreciação final sobre o que este estudante pôde obter em um determinado período, sempre com vistas a planejar ações educativas futuras. Quando a avaliação acontece ao longo do processo, com o objetivo de reorientá-lo, recebe o nome de avaliação formativa.

A finalidade da avaliação
Para que é feita a avaliação na escola? Qual o lugar da avaliação no processo de ensino e aprendizagem?
Tradicionalmente, nossas experiências em avaliação são marcadas por uma concepção que classifica as aprendizagens em certas ou erradas e, dessa forma, termina por separar aqueles estudantes que aprenderam os conteúdos programados para a série em que se encontram daqueles que não aprenderam. Essa perspectiva de avaliação classificatória e seletiva, muitas vezes, torna-se um fator de exclusão escolar. Entretanto, é possível concebermos uma avaliação
cuja vivência seja marcada pela lógica da inclusão, do diálogo, da construção da autonomia, da mediação, da participação, da construção da responsabilidade com o coletivo.
Tal perspectiva de avaliação alinha-se com a proposta de uma escola mais democrática, inclusiva, que considera as infindáveis possibilidades de realização de aprendizagens por parte dos estudantes. Essa concepção de avaliação parte do princípio de que todas as pessoas são capazes de aprender e que as ações educativas, as estratégias de ensino, os conteúdos das disciplinas devem ser planejados a partir dessas infinitas possibilidades de aprender dos estudantes. Pode-se perceber, portanto, que as intenções e os usos da avaliação estão fortemente influenciados pelas concepções de educação que orientam a sua aplicação.
É voz corrente afirmar-se que a avaliação não deve ser usada com o objetivo de punir, de classificar ou excluir.
O importante é que possamos estar sempre sintonizados com nossas intenções educativas, tendo clareza de “para que avaliamos”. Se avaliar tem por propósito fazer o aluno conhecer mais, aprender, então a prática avaliativa deve ter esse fim. Se queremos selecionar e classificar, então a prática de avaliação terá esse fim.
A avaliação classificatória coadunava-se com a escola de um tempo em que não havia escola para todos, nem era um direito assegurado o acesso à educação básica.
Enfim, a lei mudou, o acesso à escola praticamente foi resolvido e as práticas... Essas
precisam e estão sendo modificadas, mas sabemos que leva tempo, uma vez que estão fortemente relacionadas com nossas crenças e nossos valores.
Segundo escrevemos em outra ocasião (Freitas e Fernandes, 2007), “a prática da avaliação pode acontecer de diferentes maneiras. Se entendermos que os estudantes aprendem de variadas formas, em tempos nem sempre tão homogêneos, a partir de diferentes vivências pessoais e experiências anteriores e, junto a isso, se entendermos que o papel da escola deva ser o de incluir, promover crescimento, desenvolver possibilidades para que os sujeitos realizem aprendizagens vida afora, socializar experiências, perpetuar e construir cultura, devemos entender a avaliação como promotora desses princípios e, portanto, seu papel não deve ser o de classificar e selecionar os estudantes, mas sim o de auxiliar professores e estudantes a compreenderem de forma mais organizada seus processos de ensinar e aprender”.
Podemos chamar de avaliação formativa aquela que orienta os estudantes para a realização de seus trabalhos e de suas aprendizagens, ajudando-os a localizar suas dificuldades e potencialidades, redirecionando-os em seus percursos.
avaliação formativa diz respeito à construção da autonomia por parte do estudante. Numa prática formativa de avaliação, é necessário que o estudante conheça os conteúdos que irá aprender, os objetivos que deverá alcançar, bem como os critérios que serão utilizados para verificar e analisar seus avanços de aprendizagem.
O processo avaliativo não está só nas mãos do professor, ele está dividido entre quem aprende e quem ensina. Ambos são responsáveis pelo processo. Nessa perspectiva, a auto-avaliação torna-se uma ferramenta importante, capaz de propiciar maior responsabilidade aos estudantes acerca de seu próprio processo de aprendizagem e de construção da autonomia e de fornecer informações aos professores para que possam rever suas ações e intervenções com os estudantes e em seus planejamentos.
A avaliação formativa é aquela em que o professor está atento para os processos e
aprendizagens de seus estudantes. O professor não avalia com o propósito de dar uma nota, pois dentro de uma lógica formativa, a nota é uma decorrência do processo, e não o seu fim último. O professor entende que a avaliação é essencial para dar prosseguimento aos percursos de aprendizagem. Continuamente, ela faz parte do cotidiano das tarefas propostas, das observações atentas do professor, das práticas de sala de aula.
É fundamental transformar a prática avaliativa em prática de aprendizagem. Avaliar faz parte do processo de ensino e de aprendizagem: não ensinamos sem avaliar, não aprendemos sem avaliar. Dessa forma, rompe-se com a falsa dicotomia entre ensino e avaliação, como se esta fosse apenas o final de um processo.

A organização da escolaridade e a avaliação
É comum afirmar-se que, nas situações de organização curricular baseada em ciclos e em progressão continuada, o fato de se eliminar o poder de reprovação dos instrumentos avaliativos significa que não está sendo feita avaliação.
Podemos perceber o quanto é fundamental avaliar os processos de aprendizagem dos estudantes na escola em ciclos. É preciso, antes de mais nada, avaliar. Depois, traçar estratégias e maneiras de avaliação junto aos estudantes, que favoreçam a aprendizagem.
Um equívoco que parece persistir entre parte dos educadores, desde as primeiras experiências com ciclos básicos e promoção automática no Brasil, é que questionar o modelo de avaliação escolar que propõe a reprovação do aluno ao final de um determinado período implica não avaliar o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, não fazer provas, não fazer testes, não atribuir notas ou conceitos que reflitam tal processo.
Entendendo dessa forma, e na perspectiva de uma avaliação preocupada com a seleção, podemos compreender porque a recuperação e/ou a reprovação são os mecanismos utilizados tradicionalmente pelas escolas para aqueles alunos que não alcançaram determinadas notas ou conceitos ao final de um período ou de um ano letivo. Isso nos leva à ideia de que para aprender é preciso repetir, aliás, princípio de uma pedagogia com bases behavioristas.

Os instrumentos de avaliação
Ao falarmos de instrumentos de avaliação, estamos nos referindo às atividades que são planejadas com o propósito de subsidiar, com dados, a análise do professor acerca do momento de aprendizagem de seus estudantes.
Há variadas formas de se elaborar instrumentos. Eles podem ser referenciados nos programas gerais de ensino existentes para as redes escolares e que definem objetivos e conteúdos para uma determinada etapa ou série, ou podem ser referenciados no conhecimento que o professor tem do real estágio de desenvolvimento de seus alunos e do percurso que fizeram na aprendizagem. É importante ressaltar, também, que os resultados advindos da aplicação dos instrumentos são provisórios e não definitivos. O que o estudante demonstrou não conhecer em um dado momento poderá vir a conhecer em outro. A questão do tempo de aprendizagem de cada estudante é um fator, na maioria das vezes, pouco levado em consideração.
A simples utilização de instrumentos diferenciados de provas e testes (memorial, portfólio, caderno de aprendizagens, etc.) já propicia uma vivência de avaliação distinta da tradicional. O que queremos dizer é que, muitas vezes, a prática concreta leva a uma posterior mudança de concepção de avaliação.
Se bem planejados e construídos, os instrumentos (trabalhos, provas, testes, relatórios, portfólios, memoriais, questionários, etc.) têm fundamental importância para o processo de aprendizagem.
Certamente, copiar tarefas de livros didáticos ou planejar atividades sem se ter a clareza do que estariam objetivando não são boas estratégias para a elaboração de tais instrumentos.
Um exemplo de prática avaliativa inadequada pode ser visto quando uma tarefa é retirada de um livro didático para servir de questão de teste ou prova. Um instrumento mal elaborado pode causar distorções na avaliação que o professor realiza e suas implicações podem ter consequências graves, uma vez que todo ato avaliativo envolve um julgamento que, no caso da educação escolar, significa, em última instância, aprovar ou reprovar.
A avaliação é certamente fonte de pesquisa, avanços e discussões no âmbito do cotidiano da escola. Pretendemos trazer algumas questões e contribuir para algumas reflexões. Em absoluto, o debate e as informações aqui apresentados esgotam a temática. Há muito para se estudar e para se construir. Esperamos que esse texto tenha proposto algumas questões, reafirmado outras ou mesmo abalado algumas certezas, pois entendemos que este é o caminho para a qualidade de uma educação comprometida com a educação de todos e com a escola enquanto um bem social importantíssimo.



Texto 5: SUCESSO NA ESCOLA: SÓ O CURRÍCULO, NADA MAIS QUE O CURRÍCULO! PHILIPPE PERRENOUD
A idéia de sucesso escolar é entendida hoje em dois sentidos:
• de modo muito geral, é associada ao desempenho dos alunos: obtêm êxito aqueles que satisfazem as normas de excelência escolar e progridem nos cursos;
• com a moda das escolas efetivas e a publicação das “listas de classificação das escolas”, o “sucesso escolar” acaba designando o sucesso de um estabelecimento ou de um sistema escolar no seu conjunto; são considerados bem-sucedidos os estabelecimentos ou os sistemas que atingem seus objetivos ou que os atingem melhor que os outros.
Não se poderia imaginar um estabelecimento que obtenha êxito enquanto a maioria de seus alunos fracassam. O sucesso de um estabelecimento poderia então estar associado à soma dos êxitos individuais de seus alunos. As escolas poderiam ser classificadas segundo a proporção dos alunos que obtêm êxito nos estudos.
As coisas não são assim tão simples, em virtude de, pelo menos, três razões:
1. A reputação de um estabelecimento se deve muitas vezes ao rigor da seleção que ele promove, no ingresso e no decurso da escolaridade. Não se pode desconsiderar as “racionalidades desiguais” (Grisay, 1988) dos sistemas escolares, que levam certos estabelecimentos a defender sua reputação rejeitando os alunos com dificuldade, em vez de instruí-los.
2. Não podemos nos ater aos desempenhos de alto nível, nem mesmo aos de nível médio, e desconsiderar a dispersão. Um estabelecimento deveria levar todos seus alunos a um nível aceitável e não deveria se contentar em compensar graves fracassos individuais com êxitos brilhantes.
3. Não se pode comparar estabelecimentos sem considerar o conjunto dos fatores que determinam o sucesso escolar de seus alunos: alguns desses fatores fogem ao controle dos estabelecimentos menos poderosos, como o nível inicial dos alunos ou seu contexto familiar e urbano. Um bom estabelecimento não pode portanto se definir unicamente em função do número de bons alunos que possui.
Há ainda uma outra complicação: o significado dos índices habituais de sucesso escolar dos alunos – taxas de promoção, notas, porcentagens – varia segundo o contexto. A mesma nota não corresponde às mesmas competências e competências iguais são avaliadas diferentemente de um estabelecimento e até de uma classe a outra, uma vez que as notas resultam em geral de uma comparação local entre alunos que seguem o mesmo programa. Assim um aluno médio pode parecer excelente numa classe muito fraca e medíocre numa classe muito forte. Para que uma comparação entre estabelecimentos seja rigorosa, as avaliações internacionais substituem esses índices de alcance local por dados padronizados, levando todos os alunos a se submeterem ao mesmo programa no sistema escolar.
A escola só pode avaliar, no cotidiano, aquilo que ela grosso modo ensinou, enquanto as avaliações externas em larga escala medem o nível de domínio daquilo que se reputa ter sido ensinado em todas as escolas a partir do currículo formal. Fiéis aos textos, tais avaliações não levam em conta a realidade diversificada do ensino e do trabalho escolar, sob o risco de ser fortemente questionada, assegurar o sucesso do maior número de alunos, não importa em que classe e em que tipo de estabelecimento: a sociedade não pode hoje tolerar que três quartos dos alunos repitam de ano. A avaliação, inscrita no funcionamento “normal” do sistema escolar,
é pois modulada em função dos contextos locais e dos contratos didáticos, de modo que se mantenha psicologicamente sustentável e socialmente aceitável.
As avaliações de sistema, que permitem comparar dados, não possuem tais restrições e podem “levar a sério os objetivos de formação”, o que supõe não somente construir um outro quadro das desigualdades em razão da padronização das provas, como também estimar de modo menos favorável a eficácia do sistema.
Enquanto o sucesso “rotineiro” é feito de uma miríade de avaliações que pontuam e reorientam a carreira escolar, referindo-se cada uma a um fragmento do currículo, as avaliações em larga escala voltam-se para as aprendizagens consolidadas no fim dos cursos, o que engendra uma outra representação das desigualdades e da eficácia do sistema educativo.
Parece lógico que quem concebe avaliações de sistema sucumba à tentação de ignorar as avaliações produzidas pelos professores ou outros examinadores dentro do funcionamento de rotina do sistema educacional.
Essa dissociação entre as avaliações feitas pela escola e os dados de avaliações em larga escala, que visam, legitimamente, a neutralizar os efeitos do contexto local, pode entretanto introduzir
outros vieses igualmente graves. As avaliações externas que permitem comparação podem-se ater aos dados mais fáceis de definir e de medir, mas é difícil avaliar o raciocínio, a imaginação, a autonomia, a solidariedade, a cidadania, o equilíbrio corporal ou o ouvido musical através de provas padronizadas, que são, na maior parte do tempo, testes de lápis e papel. Avaliar aprendizagens complexas em larga escala exige uma criatividade metodológica considerável e induz a custos importantes de aplicação e tratamento dos dados. É mais rápido e mais barato ater-se a provas escritas, reduzindo, desse modo, as aprendizagens escolares às aquisições cognitivas, dando prioridade às disciplinas principais e às operações técnicas.
Os sistemas educacionais correm, nesse caso, o risco de instalar-se progressivamente numa situação de dupla definição institucional do sucesso dos alunos:
• Uma, mais tradicional, remete à avaliação corrente feita pelos professores e por outros examinadores, durante ou ao fim do ano escolar. Não se sabe bem o que essa avaliação abrange, o certo é que as normas e as formas de excelência valorizadas não são homogêneas. Em contrapartida, essa avaliação leva em conta o que foi ensinado. É ela que representa papel decisivo na determinação da carreira escolar.
• Outra, que independe do funcionamento ordinário das classes e dos estabelecimentos, serve-se de instrumentos padronizados concebidos com base no currículo formal e administrados em larga escala. As restrições metodológicas e econômicas levam a privilegiar os resultados mais facilmente mensuráveis mediante provas escritas. O objetivo dessa segunda forma de avaliação não é determinar o destino individual dos alunos, mas contribuir para o monitoramento do sistema.
Se não há concordância entre os índices de sucesso obtidos rotineiramente na própria escola e as comparações internacionais, os pais e a opinião pública sentem-se perdidos. Em certos países, o Programa Internacional de Acompanhamento das Aquisições dos Alunos – Pisa (OCDE, 2001) revela falhas que a avaliação habitual mascarava. Em contrapartida, no momento em que se deseja, mais que nunca na história da escola, medir e comparar resultados, toma-se paradoxalmente consciência da dificuldade de circunscrever de modo preciso e consensual as finalidades da escola, sua tradução, primeiro num currículo formal, depois real, e, finalmente, em formas e em normas de excelência. Paradoxalmente processos que visam a racionalizar o sistema educacional exacerbam os conflitos ideológicos, filosóficos, políticos, como também as controvérsias didáticas e pedagógicas, uma vez que a avaliação se situa no cruzamento de duas lógicas freqüentemente antagônicas, a da aprendizagem e a da medida.
Essas contradições levam mais ou menos clara e rapidamente a atenuar a independência relativa dos dois modos de avaliação: os resultados das avaliações padronizadas serão progressivamente considerados nos julgamentos cotidianos de excelência escolar e intervirão portanto nos boletins escolares e nas decisões referentes à seleção, orientação, certificação. Mais, as autoridades escolares exercerão uma forte pressão para que os professores aumentem seus esforços e endureçam suas exigências nos campos em que existam avaliações padronizadas, única maneira de garantir que o sistema ou os estabelecimentos consigam um bom conceito nas classificações (listas dos melhores estabelecimentos ou nas avaliações internacionais).
Esse efeito dominante da padronização vai possivelmente concentrar as prioridades curriculares naquilo que parece facilmente mensurável e comparável no interior de um sistema educacional, ou entre sistemas: operações, memorização, formas verbais ao invés de raciocínio, imaginação ou argumentação... Isso só vem contrabalançar a tendência – tímida – a uma autonomia curricular mais acentuada dos estabelecimentos e a uma profissionalização da profissão de professor. E, sobretudo, isso só pode retardar a evolução do currículo escolar rumo a objetivos de alto nível taxonômico e rumo às competências.
É importante, pois, que aqueles que privilegiam a formação, e não a avaliação, acompanhem de muito perto a dialética da dupla definição institucional do sucesso, que pode vir a favorecer uma regressão das finalidades da escola. Hoje é crucial não abandonar aos técnicos da avaliação a definição do sucesso escolar – portanto, indiretamente, a leitura predominante do currículo.

Um comentário:

  1. Obrigada pela contribuição! Consegui sanar muitas dúvidas em ralação ao tema. Parabéns pelo trabalho!!!

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