segunda-feira, 19 de abril de 2010

RESUMO DO LIVRO DE MARCOS BAGNO

Resumo de Português
Aula 1: Poder da língua...Língua é poder?
1. definir diferentes concepções de poder;
2. relacionar língua a poder.
E o campo teórico do poder é a filosofia política.
Por poder se deve entender a capacidade, aplicada às classes sociais, de uma, ou de determinadas classes sociais em conquistar seus interesses específicos. [...] A capacidade de uma classe em realizar seus interesses está em oposição à capacidade (e interesses) de outras classes: o campo do poder é portanto estritamente relacional. (POULANTZAS, 1985, p. 168).
O poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação [...]. O poder é o que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe [...] (FOUCAULT, 1979, p. 175).
Contudo, mesmo os conceitos anteriores não dão conta da língua como forma de linguagem, como um atributo humano que encerra, em sua realização verbal – comunicativa e/ou expressiva – elementos constitutivos das interações e das relações sociais que constrói e que a tornam um processo sociohistórico, por excelência.
Essa definição de língua aproxima-a da perspectiva de conhecimento sociointeracionista, dando conta de algumas de suas funções, porém ainda tangencia seu lado sociopolítico, tão bem marcado em definições apostas no primeiro quadro e que afirmam que a língua "se impõe a um grupo de indivíduos...".
Dessa forma, percebemos que a língua constitui-se, ainda, como o domínio do homem pelo homem. Em outras palavras, esse ato lingüístico, em seu uso é, também, poder.
A linguagem não é usada somente para veicular informações [...] O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo falante e concentrá-la num ato lingüístico [...] Os casos mais evidentes em relação a tal afi rmação são também os mais extremos: discurso político, sermão na igreja, aula etc. (GNERRE, 1987, p. 3).
• A língua constitui uma das formas de linguagem – a verbal. • A língua constitui-se, como tal, nas interações sociais. • A língua estrutura-se social e historicamente. • Língua é poder.
Aula 2: Língua do poder...Língua do povo.
destacar a amplitude socioeconômica, política e cultural da relação língua/poder.
A partir da leitura da citação, podemos inferir que, hoje em dia, fala-se bastante sobre questões relacionadas à discriminação e, por conseguinte, sobre a necessidade de se reativar o sentido de tolerância, por exemplo, o que é um princípio democrático. No entanto, quando o problema se situa no uso desigual da(s) língua(s), do que se encontra dentro do tema da discriminação, pouco ou quase nada se ouve falar.
Como podemos perceber pelas reflexões que vimos realizando ao longo desta aula, a língua eleva e promove, mas também discrimina e cerceia: é, ao mesmo tempo, identidade e diferença de um povo, em uma nação. Isto, tanto em termos internos quanto externos.
A língua de um povo tem poder. No entanto, a língua do poder não é a língua do povo. Da gente simples, que constrói o país; do operário, que trabalha e ganha salário-mínimo. Contudo, é a língua de uma determinada classe, ou de grupos pertencentes a essa classe que, através de mecanismos como a argumentação e a persuasão, muitas vezes nos convencem sobre o que "é melhor para nós"...
A língua, enquanto sistema normatizado e pertencente a uma classe, é ensinada na escola. O "aprender a ler e a escrever" – tão citado pelo povo quando perguntado sobre por que freqüenta essa instituição formal de ensino – possui, assim, características ideológicas. Vai-se à escola para aprender a "ler e a escrever" a língua que corresponde ao ideário de determinada classe. Como afi rma Souza, "...o mais correto é dizer que a língua ofi cial é geralmente a língua do grupo dominante" (SOUZA, 1990, p. 55).
No entanto, a língua é formada por signos linguísticos que possuem valor sócio-histórico, e que se constroem na interação social. Essa característica, se bem entendida e trabalhada na escola, pode contribuir para que entendamos sua função social a partir de outros parâmetros que não aqueles utilizados até o momento.
Há uma concepção de língua culta que cria um abismo entre a língua legitimada e a língua falada pelo povo. Nesse sentido, compromete-se sua função social, ampliando-se a desigualdade já existente na sociedade.
Resumo Aula 2 – Língua Portuguesa
Capítulo 3 e 4: Língua, ensino de língua e ideologia: A escola forma/ conforma/transforma?
analisar a relação existente entre visões sociais de mundo ideológicas; visões sociais de mundo utópicas e o uso da língua;
reconhecer que as diferentes visões sociais de mundo implicam representações que são evidenciadas por meio da língua e que esta relação está presente no ensino.
A linguagem do poder é manifestada inclusive por esse uso da palavra – ou da língua – e também reconhecida nos gestos, nas expressões, nas atitudes, na palavra literária.
Ao longo dos séculos, a interpretação da função do professor foi fi cando também mais abrangente e bastante diferente. E sua linguagem, mudou? Foi-se o tempo em que "lente" era sinônimo de "professor", que era assim chamado porque era ele quem lia para os alunos. Era através de seu olhar que o aluno deveria aprender, “beber de suas palavras”.
Reforçando a idéia, são então as nossas representações do mundo – e das coisas no mundo – que diferem, tendo em vista o arcabouço social e cultural em que nos inserimos. E não podemos esquecer que esse arcabouço é influenciado pelas idéias dominantes na sociedade que, em última análise, são as idéias da classe dominante – como nos afirma Marx, ao refletir sobre o conceito de ideologia.
Assim é que, com o texto do Drummond, pudemos perceber, por exemplo, que a propaganda está, em geral, atrelada aos interesses da classe dominante;
Podemos dizer, então, que se entende IDEOLOGIA como falsa consciência, à medida que percebemos as situações, imagens e textos com os olhos da classe dominante, sem nos apercebermos de tal fato.
as visões sociais de mundo são representações de valores ideais que estão em um dos dois patamares a seguir:
Visões sociais de mundo ideológicas, que são as que aca-bam reproduzindo, mantendo a ordem estabelecida, sem questioná-la.
Visões sociais de mundo utópicas, que são as que transgri-dem, questionam, procuram mostrar um outro lado para a ordem estabelecida, discutindo-a.
Sabemos que a língua materna faz parte de nosso cotidiano. Afinal, é através dela que nos comunicamos com o mundo e que o constituímos "pela fala criamos no mundo estados de coisas novos" (GERALDI, p. 51). Deixemos claro, entretanto, que sua sistematização é realizada em um local apropriado – a escola.
Retornando às concepções de educação e ensino, o professor pode, ao contrário, compromissar-se com uma educação para a emancipação. Nesse sentido, visualizará seu cotidiano a partir de uma relação dialógica, em que a troca discursiva ocorre a todo momento com a turma, principalmente em sala de aula; compreenderá o conhecimento como processo, aquisições em construção; portanto, intrinsecamente relacionado ao ato da descoberta, através também da ação discursiva e das interações que ocorrem no coletivo da sala de aula.
A língua, como processo, constrói-se na interação. Também pode ser vista como produto pronto, estruturado nas gramáticas, dicionários e sistematizado, pedagogicamente, nos livros didáticos.
O ensino de língua materna também pode ser visualizado a partir das duas posições acima apontadas: ensino como produto, partindo de conteúdos gramaticais pré-definidos ou como processo a ser construído pelos falantes e escritores dessa língua.
A cada uma dessas concepções corresponde uma visão social de mundo – ideológica, apreendendo o produto; utópica,percebendo os processos.
Capítulo 5 e 6: Quem é cidadão no Brasil? Afi nal, quem faz a História?
compreender as relações existentes entre cidadania e uso da língua;
analisar a importância da língua e de sua utilização na constituição da cidadania.
Quando falamos em identidade cultural de um povo, estamos, em geral, nos re-ferindo aos elementos de unificação que a caracterizam e da confirmação de que existem traços comuns dentro de uma nação. Podemos afirmar, ainda, que a língua constitui-se como elemento fundamental dessa identidade.
Em outras palavras, cabe a todo profissional, principalmente aquele que trabalha com a educação, pensar sobre a sociedade em que vive; sobre as contradições que o cercam; as possibilidades de dialogar sobre essas situações e buscar alternativas para, se não resolvê-las, pelo menos minorá-las.
Ao afirmar que cidadania está na "raiz dos direitos humanos", o autor evidencia a importância de ser cidadão. Afinal, estar na raiz é fundar, erigir: esse, o papel da cidadania – construir os direitos humanos, em sociedades complexas como as em que vivemos hoje.
as relações existentes entre uso da língua e macroconceitos – Poder, ideologia, identidade cultural, cidadania: Verificamos, assim, que ser cidadão não é apenas conhecer direitos e exercê-los. É igualmente conhecer deveres, cumpri-los, juntamente com a busca de direitos nem sempre adquiridos. Há direitos que precisam ser conquis-tados, passo a passo, e para isso a cidadania deve ser participativa. E a "língua nossa de cada dia" é um forte elemento de constituição dessa cidadania...
A cidadania constitui-se na ação, preferencialmente organizada e coletiva, de sujeitos que se tornam históricos nesse processo. Nesse sentido, é preciso conquistar essas possibilidades – a de organização coletiva; e de nos tornarmos sujeitos históricos, porque interferimos nas situações sociais. Os textos que lemos, de certa forma apontam para esta ação.
A língua materna, em seu uso constitui-se, também, como elemento de construção da cidadania. Em outras palavras, dependendo de como eu me apresento verbalmente – por meio da linguagem que utilizo – eu me constituo como cidadão.
Resumo Aula 3 – Língua Portuguesa
Capítulo 7 e 8:Língua e Identidade Cultural
compreender as relações existentes entre sociedade, cultura e construção lingüística;
reconhecer a importância da língua na construção da identidade de uma nação.
Podemos dizer que identidade cultural é a unificação e confirmação de traços comuns existentes dentro de uma nação.
A literatura representa o registro do patrimônio lingüístico de um povo e, nesse sentido, a língua, como matéria-prima desse registro, torna-se um elemento de unificação.
Em outras palavras, é a língua, sua sonoridade, sua estrutura, sua elocução, que constituem o sentido histórico e político de uma nação. Sua identidade e a identidade de um povo – seus cidadãos...
Não há língua que permaneça uniforme. Todas as línguas mudam. Devemos saber que as palavras nascem e morrem, porque a língua é um sistema vivo, usado por pessoas que têm vontade própria e estão sujeitas às influências do meio em que vivem, da cultura da sua região.
podemos dizer que a identidade, em termos lingüísticos, não deve abafar a diversidade existente tanto entre os diversos falares regionais e registros quanto dentro de um mesmo falar ou registro.
A língua é elemento preponderante na constituição da identidade cultural de um povo.
Não se constituindo como um sistema único e homogêneo, a língua constrói a identidade de uma nação, transmitindo e dinamizando sua cultura.
Por não se constituir como sistema único e homogêneo, a língua é, também, elemento preponderante na efetivação das diversidades culturais e lingüísticas existentes em uma nação.
Uma nação pode possuir diversas línguas, consolidando ainda mais sua diversidade cultural.
Capítulo 9 e 10: Função social da língua e ensino: construções e desconstruções
compreender as relações existentes entre língua materna, seu uso e suas funções na sociedade;
refletir, a partir das aulas anteriores, sobre a existência das relações língua e poder; língua e ideologia; língua e cidadania; língua e identidade cultural;
compreender que as relações discutidas anteriormente fazem parte de um outro olhar sobre a língua e, também, sobre seu ensino;
conhecer o debate ocorrido, no campo dos estudos da língua, com o surgimento da Lingüística.
Dominar o uso da língua, contudo, torna-se um diferencial e pode se constituir num mecanismo elitizante.
temos a certeza de que o uso da língua materna é, ao mesmo tempo, um diferencial, que separa as pessoas pelo fato de “falarem corretamente” ou não, e uma identidade, que faculta a essas pessoas o pertencimento a um mesmo grupo lingüístico
Em outras palavras, referimo-nos à relação existente entre língua e cultura. Além disso, há em cada pessoa algo que pode diferenciá-la de outros: a sensibilidade diante de certos usos da língua. Nesse caso, referimo-nos a outra relação: a que existe entre língua e subjetividade. Ou seja, pensando nos aspectos da cultura e da subjetividade relacionados à língua, podemos ainda dizer que há diferentes modos de compreender, interpretar ou até mesmo ler. Isso porque estabelecemos relações diversas com os enunciados, textos, objetos, discursos, relações que têm a ver com os nossos processos coletivos, mas também individuais de aprendizagem, com as experiências de cada um em seu contexto sociocultural.
Muitas vezes, dominar as regras normativas de nossa língua não é suficiente para decodificar discursos que trabalham com informações ligadas a experiências de vida, assim como tal domínio não garante o entendimento de um texto que lida com as emoções.
ao refletir sobre a função de uma língua, não podemos esquecer que ela se insere na sociedade e é produto dos homens, ou seja, é então uma prática que está imersa nas relações de poder que constituem essa mesma sociedade;
a língua tem uma função social e é permeada por questões ideológicas e contra-ideológicas que vão constituir a cidadania e a identidade dos grupos que a utilizam;
quando pensamos em ensino de língua materna, é preciso pensar na abertura que os estudos lingüísticos proporcionaram e, nesse sentido, precisamos estar igualmente abertos para um outro olhar em relação às práticas que podem ser efetuadas em sala de aula.
Resumo Aula 05
Capítulo 11: A gramática na escola: o que se faz?
avaliar a língua e seu ensino, em termos de prática político-social e epistemológica;
observar a disposição dos conteúdos relativos à gramática na grade curricular das séries iniciais.
Somos uma nação rica em regionalismos, dialetos; enfim, nossa língua reflete bem nossa cultura – vasta, diferente, múltipla...
O que a escola pode fazer é oportunizar o contato com usos diversos das manifestações dessa linguagem, de forma que esse sujeito adquira a possibilidade de gerar sentidos para aquilo que ele é capaz de ler e ouvir, bem como de produzir, seja na expressão oral, seja na escrita.
Em outras palavras, quando nós falamos sobre questões que envolvem o aluno como usuário da língua, estamos nos referindo àqueles que estão iniciando seus estudos, na escola, o que não se aplica ao professor desses mesmos alunos, até por que ele é professor, Em outras palavras, quando nós falamos sobre questões que envolvem o aluno como usuário da língua, estamos nos referindo àqueles que estão iniciando seus estudos, na escola, o que não se aplica ao professor desses mesmos alunos, até por que ele é professor,
Sabemos que o conhecimento dessa norma pode ser um fator favorável ao exercício de um poder do qual já falamos aqui, logo na primeira aula do primeiro módulo. Também sabemos que a cidadania e a inserção do indivíduo na sociedade estão intimamente relacionadas a um tipo de aceitação que inclui uma série de “saberes”, inclusive o da língua.
Então, o contato com a norma-padrão é necessário, pois, do contrário, corremos o risco de excluir aqueles que já são excluídos por fatores como a classe social e o poder aquisitivo. Se o uso da norma-padrão garante ascendência de uns sobre outros, vamos, sim, “informar” nossos alunos a seu respeito, mas com a lúcida consciência de que o trabalho com a língua não é, de forma nenhuma, apenas isso. Tampouco o domínio da norma-padrão precisa passar, nesse primeiro segmento de escolaridade, pela memorização de uma série de nomenclaturas, quando sabemos que o trabalho com textos variados, a leitura de diferentes gêneros literários, o contato e a interlocução com falantes que dominem tal variedade, serão práticas bem mais eficiente neste sentido.
Portanto, não é nem um pouco absurdo considerar que conhecer a fundo a norma-padrão é parte do caminho que leva ao questionamento da exclusão através do uso da língua, pois só conhecendo se pode questionar, e o questionamento é a maneira pela qual o privilégio de uma determinada forma de expressão pode ser colocado em xeque.
Resumo Língua Portuguesa na Educação 1
Livro: Preconceito Linguístico – Marcos Bagno
O preconceito lingüístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa mais urgente é desfazer essa confusão.
Mito n° 1 “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”
Esse mito é muito prejudicial à educação porque, ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma lingüística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização etc.
É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a verdadeira diversidade lingüística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizada dos falantes das variedades não-padrão.
Mito n° 2 “Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem português”
Quando dizemos que no Brasil se fala português, usamos esse nome simplesmente por comodidade e por uma razão histórica, justamente a de termos sido uma colônia de Portugal. Do ponto de vista lingüístico, porém, a língua falada no Brasil já tem uma gramática — isto é, tem regras de funcionamento — que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada em Portugal. Por isso os lingüistas (os cientistas da linguagem) preferem usar o termo português brasileiro, por ser mais claro e marcar bem essa diferença.
E a avalanche (ai, um galicismo!) de palavras estrangeiras tem de ser analisada sob a perspectiva da dependência político-econômica (e conseqüentemente cultural) do Brasil (e de Portugal) para com os centros mundiais de poder. Não adianta bradar contra a “invasão” de palavras na língua portuguesa sem analisar essa dependência. É querer eliminar os efeitos sem atacar as verdadeiras causas.
O brasileiro sabe o seu português, o português do Brasil, que é a língua materna de todos os que nascem e vivem aqui, enquanto os portugueses sabem o português deles. Nenhum dos dois é mais certo ou mais errado, mais feio ou mais bonito: são apenas diferentes um do outro e atendem às necessidades lingüísticas das comunidades que os usam,necessidades que também são... diferentes!
Mito n° 3 “Português é muito difícil”
Como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos que “português é uma língua difícil”: porque temos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós.
É um esforço árduo e inútil, um verdadeiro trabalho de Sísifo, tentar impor uma regra que não encontra justificativa na gramática intuitiva do falante.
Mito n° 4 “As pessoas sem instrução falam tudo errado”
O preconceito lingüístico se baseia na crença de que só existe, como vimos no Mito n° 1, uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação lingüística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito lingüístico, “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”, e não é raro a gente ouvir que “isso não é português”.
Como se vê, do mesmo modo como existe o preconceito contra a fala de determinadas classes sociais, também existe o preconceito contra a fala característica de certas regiões.
Mito n°5 “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”
O que acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é o mesmo que acontece com o português de Portugal em relação ao português do Brasil: não existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja intrinsecamente “melhor”, “mais pura”, “mais bonita”, “mais correta” que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam. Quando deixar de atender, ela inevitavelmente sofrerá transformações para [pg. 47] se adequar às novas necessidades.
É preciso abandonar essa ânsia de tentar atribuir a um único local ou a uma única comunidade de falantes o “melhor” ou o “pior” português e passar a respeitar igualmente todas as variedades da língua, que constituem um tesouro precioso de nossa cultura. Todas elas têm o seu valor, são veículos plenos e perfeitos de comunicação e de relação entre as pessoas que as falam. Se tivermos de incentivar o uso de uma norma culta, não podemos fazê-lo de modo absoluto, fonte do preconceito. Temos de levar em consideração a presença de regras variáveis em todas as variedades, a culta inclusive.
Mito n° 6 “O certo é falar assim porque se escreve assim”
O que acontece é que em toda língua do mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico.
É claro que é preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como “erradas” as pronúncias que são resultado natural das [pg. 52] forças internas que governam o idioma.
É o velho preconceito grafocêntrico, isto é, a análise de toda a língua do ponto de vista restrito da escrita, que impede o reconhecimento da verdadeira realidade lingüística.
Mito n° 7 “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”
O que aconteceu, ao longo do tempo, foi uma inversão da realidade histórica. As gramáticas foram escritas precisamente para descrever e fixar como “regras” e “padrões” as manifestações lingüísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, modelos a ser imitados. Ou seja, a gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela, dependente dela. Como a gramática, porém, passou a ser um instrumento de poder e de controle, surgiu essa concepção de que os falantes e escritores da língua é que precisam da gramática, como se ela fosse uma espécie de fonte mística invisível da qual emana a língua “bonita”, “correta” e “pura”. A língua passou a ser subordinada e dependente da gramática. O que não está na gramática normativa “não é português”.
Mito n°8 “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”
Ora, se o domínio da norma culta fosse realmente um instrumento de ascensão na sociedade, os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país, não é mesmo? Afinal, supostamente, ninguém melhor do que eles domina a norma culta. Só que a verdade está muito longe disso como bem sabemos nós, professores, a quem são pagos alguns dos salários mais obscenos de nossa sociedade.
Os mitos que acabamos de examinar são transmitidos e perpetuados em nossa sociedade, cada um deles em grau maior ou menor, por um mecanismo que podemos chamar de círculo vicioso do preconceito lingüístico. Esse círculo vicioso se forma pela união de três elementos que, sem desrespeitar meus amigos teólogos, costumo denominar “Santíssima Trindade” do preconceito lingüístico. Esses três elementos são a gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos.Á gramática tradicional, em sua vertente normativo-prescritivista, continua firme e forte, como é fácil verificar nos compêndios gramaticais mais recentes.Mas, afinal, que quarto elemento é esse? É aquilo que resolvi chamar de comandos paragramaticais. É todo esse arsenal de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas, programas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, “consultórios gramaticais” [pg. 76] por telefone e por aí afora...
Sob o império de Napoleão
O mais respeitado e renomado propagador do preconceito lingüístico por meio de comandos paragramaticais no Brasil foi, durante longas décadas, o professor Napoleão Mendes de Almeida, até falecer no começo de 1998, aos 87 anos. Ele nunca escondeu sua intolerância e seu autoritarismo em suas colunas de jornal, e é fácil verificá-lo nas mais de 600 páginas de seu Dicionário de questões vernáculas. Como ele foi (e ainda é) aclamado por muitos como um “defensor intransigente da língua”, parece-me oportuno mostrar de que maneira ele exerceu essa sua defesa. As explicações de Napoleão se baseiam exclusivamente em comparações com o latim e o grego, e freqüentemente atribuem a origem dos supostos “erros” da sintaxe dos brasileiros à imitação servil do francês ou do inglês, desconsiderando sistematicamente todas as contribuições da ciência lingüística moderna.
Um festival de asneiras
Na mesma linha de conduta preconceituosa se encontra o livro Não erre mais!, de Luiz Antonio Sacconi. A edição que tenho é a 23a, de 1998, o que mostra o amplo sucesso da obra, um verdadeiro best-seller. Trata-se, contudo, de um prato cheio (420 páginas!) para quem desejar ver, em letra impressa, a perpetuação de todos os preconceitos que examinamos na primeira parte deste livro. Como é fácil concluir, o livro Não erre mais! está repleto de erros — erros de descrição dos fenômenos lingüísticos e, sobretudo, erros de conduta: preconceituosa e nada ética. Podemos dizer, portanto, usando as palavras do próprio Sacconi (p. 63), que se trata de “um verdadeiro festival de asneiras”.
Beethoven não é dançado!
Mas não é porque somos “caipiras”, “jecas-tatus”, “matutos” ou “tabaréus”. É porque a língua muda com o tempo, segue seu curso, transforma-se. Afinal, se não fosse desse modo, ainda estaríamos falando latim... Na verdade, falamos latim, um latim que sofreu tantas transformações que deixou de ser latim e passou a ser português. Da mesma forma, o português do Brasil — queiram os gramáticos ou não — também está se transformando, e um dia, daqui a alguns séculos, será uma língua diferente da falada em Portugal — mais diferente do que já é...
Falar é construir um texto, num dado momento, num determinado lugar, dentro de um contexto de fala definido, visando um determinado efeito. Quando o falante usa [pg. 98] uma frase com a partícula se, ele quer se valer dos recursos que esse tipo de construção sintática lhe oferece para chegar ao efeito que visa provocar naquele determinado contexto.
A desconstrução
do preconceito lingüístico
1. Reconhecimento da crise
Uma coisa não podemos deixar de reconhecer: existe atualmente uma crise no ensino da língua portuguesa. Muitos professores, alertados em debates e conferências ou pela leitura de bons textos científicos, já não recorrem tão exclusivamente à gramática normativa como única fonte de explicação para os fenômenos lingüísticos. Por outro lado, sentem falta de outros instrumentos didáticos que possam, senão substituir, ao menos complementar criticamente os compêndios gramaticais tradicionais.
Podemos identificar três problemas básicos a esse respeito.
Primeiro, e mais óbvio, a quantidade injustificável de analfabetos que existe neste país.
Segundo, por razões históricas e culturais, a maioria das pessoas plenamente alfabetizadas não cultivam nem desenvolvem suas habilidades lingüísticas no nível da norma culta. Ler e, sobretudo, escrever não fazem parte da cultura das nossas classes sociais alfabetizadas.
Terceiro, o dilema relativo à norma culta se prende ao fato de que esse termo é usado pela tradição gramatical conservadora para designar uma modalidade de língua que, como já vimos na primeira parte deste livro, não corresponde à língua efetivamente usada pelas pessoas cultas do Brasil nos dias de hoje, mas sim a um ideal lingüístico inspirado no português de Portugal, nas opções estilísticas dos grandes escritores do passado, nas regras sintáticas que mais se aproximem dos modelos da gramática latina, ou simplesmente no gosto pessoal do gramático
Como reconhece o próprio Ministério da Educação, no documento já citado,
não se pode mais insistir na idéia de que o modelo de correção estabelecido pela gramática tradicional seja o nível padrão de língua ou que corresponda à variedade lingüística de prestígio
Para separar o ideal do real, como eu já disse, é necessário empreender a identificação e a descrição da verdadeira língua falada e escrita pelas classes cultas do Brasil. É uma tarefa que tem de ser feita, e que está sendo feita. Infelizmente, os resultados já obtidos na execução dessa tarefa são de acesso difícil à maioria das pessoas porque se encontram expostos em livros e teses escritos em linguagem extremamente técnica — como de fato exige o rigor científico —, e recorrem, em suas análises e interpretações, a diferentes modelos teóricos, todos eles muito sofisticados e de difícil compreensão para o leitor comum não familiarizado com eles.
É preciso escrever uma gramática da norma culta brasileira em termos simples (mas não simplistas), claros e precisos, com um objetivo declaradamente didático--pedagógico, que sirva de ferramenta útil e prática para professores, alunos e falantes em geral. Sem essa gramática que nos descreva e explique a língua efetivamente falada pelas classes cultas, continuaremos à mercê das gramáticas normativas tradicionais, que chamam erradamente de norma culta uma modalidade de língua que não é culta, mas sim cultuada: não a norma culta como ela é, mas a norma [pg. 114] culta como deveria ser, segundo as concepções antiquadas dos perpetuadores do círculo vicioso do preconceito lingüístico.
2. Mudança de atitude
Enquanto essa gramática não chega, temos de combater o preconceito lingüístico com as armas de que dispomos. E a primeira campanha a ser feita, por todos na sociedade, é a favor da mudança de atitude.
Acionar nosso senso crítico toda vez que nos depararmos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado (e denunciando, de preferência) as afirmações preconceituosas, autoritárias e intolerantes.
É necessário lançar dúvidas sobre o que está dito ali, questionar a validade daquelas explicações, filtrá-las, tomando inclusive como base seu próprio saber lingüístico, devidamente valorizado
É definitivamente necessário começar a conceber a gramática como uma disciplina viva, em revisão e elaboração constante.
3. O que é ensinar português?
Para romper o círculo vicioso do preconceito lingüístico no ponto em que temos mais poder para atacá-lo — a prática de ensino —, precisamos rever toda uma série [pg. 118] de “velhas opiniões formadas” que ainda dominam nossa maneira de ver nosso próprio trabalho.Nós, sim, professores, temos que conhecer profundamente o hardware da língua, a mecânica do idioma, porque nós somos os instrutores, os especialistas, os técnicos. Mas não os nossos alunos. Precisamos, portanto, redirecionar todos os nossos esforços, voltá-los para a descoberta de novas maneiras que nos permitam fazer de nossos alunos bons motoristas da língua, bons usuários de seus programas..
4. O que é erro?
Ninguém comete erros ao falar sua própria língua materna, assim como ninguém comete erros ao andar ou ao respirar. Só se erra naquilo que é aprendido, naquilo que constitui um saber secundário, obtido por meio de treinamento, prática e memorização.
O que está em jogo aqui, evidentemente, é a noção de erro e seu estreito vínculo com o que tradicionalmente é chamado de português. Como já mostrei, existe, no nível da língua escrita, a confusão entre português e ortografia oficial da língua portuguesa. No nível da língua falada, os termos que se confundem, ou que são tomados como equivalentes, são português, gramática normativa e variedade padrão. [pg. 125]
Em relação à língua escrita, seria pedagogicamente proveitoso substituir a noção de erro pela de tentativa de acerto. Afinal, a língua escrita é uma tentativa de analisar a língua falada, e essa análise será feita, pelo usuário da escrita no momento de grafar sua mensagem, de acordo com seu perfil sociolingüístico.
Quanto à língua falada, fica óbvio que o rótulo de erro é aplicado a toda e qualquer manifestação lingüística (fonética, morfológica e sintática, principalmente) que se diferencie das regras prescritas pela gramática normativa, que se apresenta como codificação da “língua culta”, embora na verdade seja a codificação de um padrão idealizado, que não coincide com a verdadeira variedade culta objetiva.
É preciso ter sempre em mente que tudo aquilo que é considerado erro ou desvio pela gramática tradicional tem uma explicação lógica, científica, perfeitamente demonstrável. Só por isso é que os agentes dos comandos paragramaticais podem falar de “erros comuns”. Os gramáticos conservadores não se dão conta de que o próprio adjetivo “comum” usado por eles mostra que se trata de um fenômeno amplo de variação, de uma transformação que está se processando nos mecanismos de funcionamento geral da língua.
5. Então vale tudo?
Algumas pessoas me dizem que a eliminação da noção de erro dará a entender que, em termos de língua, vale tudo. Não é bem assim. Na verdade, em termos de língua, tudo vale alguma coisa, mas esse valor vai depender de uma série de fatores.
Quando falamos (ou escrevemos), tendemos a nos adequar à situação de uso da língua em que nos encontramos: se é uma situação formal, tentaremos usar uma linguagem formal; se é uma situação descontraída, uma linguagem descontraída, e assim por diante. Essa nossa tentativa de adequação se baseia naquilo que consideramos ser o grau de aceitabilidade do que estamos dizendo por parte de nosso interlocutor ou interlocutores.
6. A paranóia ortográfica
A atitude tradicional do professor de português, ao receber um texto produzido por um aluno, é procurar imediatamente os “erros”, direcionar toda a sua atenção para a localização e erradicação do que está “incorreto”. É uma preocupação quase exclusiva com a forma, pouco importando o que haja ali de conteúdo. É sobretudo aquilo que chamo de paranóia ortográfica: uma obsessão neurótica para que todas as palavras tragam o acento gráfico, que todos os Ç tenham sua cedilha, que todos os J e G estejam nos lugares certos... e assim por diante. Aliás, uma porcentagem enorme do que todo mundo chama de “erro de português” diz respeito a meras incorreções ortográficas.
Existe um mito ingênuo de que a linguagem humana tem a finalidade de “comunicar”, de “transmitir idéias” — mito que as modernas correntes da lingüística vêm tratando de demolir, provando que a linguagem é muitas vezes um poderoso instrumento de ocultação da verdade, de manipulação do outro, de controle, de intimidação, de opressão, de emudecimento. Ao lado dele, também existe o mito de que a escrita tem o objetivo de “difundir as idéias”. No entanto, uma simples investigação histórica mostra que, em muitos casos, a escrita funcionou, e ainda funciona, com a finalidade oposta: ocultar o saber, reservá-lo a uns poucos para garantir o poder àqueles que a ela têm acesso.
Subvertendo o preconceito lingüístico
Primeiro, formando-nos e informando-nos. Não me canso de insistir: é preciso que cada professor de língua assuma uma posição de cientista e investigador, de produtor de seu próprio conhecimento lingüístico teórico e prático, e abandone a velha atitude repetidora e reprodutora de uma doutrina gramatical contraditória e incoerente.
Segundo, fazendo a crítica ativa da nossa prática diária em sala de aula.
Terceiro, diante das cobranças de pais, diretores ou donos de, mos escola trar que as ciências todas evoluem, e que a ciência da linguagem também evolui. Que as mentalidades mudam, que as posturas do próprio Ministério da Educação hoje são outras. Não se pode negar que os Parâmetros Curriculares Nacionais representam um grande avanço para a renovação do ensino da língua portuguesa. Vamos tentar adquirir, copiar, ter sempre à mão esses Parâmetros para nos defender das pessoas que nos cobram um ensino à moda antiga.
Quarto, assumir uma nova postura, usando como matéria de reflexão as seguintes noções, que chamei de DEZ CISÕES, porque representam de fato uma cisão, um corte do cordão umbilical que sempre nos prendeu às velhas doutrinas gramaticais.
O preconceito contra a lingüística
e os lingüistas
1. Uma “religião” mais velha que o cristianismo
Desse modo, achar que a língua está em “crise” e que para superar essa “crise” é necessário sustentar a doutrina gramatical sem submetê-la a uma crítica serena e bem-fundada é, a meu ver, uma atitude que só pode ter duas explicações: a ignorância científica (a pessoa nunca ouviu falar de lingüística) ou a desonestidade intelectual (tendo entrado em contato com a ciência lingüística, finge que não a conhece) — pior ainda é quando essa atitude se sustenta num indisfarçado e indisfarçável preconceito social.
2. Português ortodoxo? Que língua é essa?
Uma coisa, porém, é incontestável: quem quiser estudar o português ortodoxo — para prestar concurso público, advogar, exercer a magistratura ou carreira diplomática — certamente precisará consultar a obra de Napoleão.
É muito interessante aqui o uso da expressão “português ortodoxo”. Como se sabe, a noção de ortodoxia foi inventada — pouco depois da instituição do cristianismo como religião oficial do império romano — para definir os dogmas oficiais da Igreja, as únicas maneiras certas e admissíveis de acreditar em Deus, em Cristo, na Virgem Maria, na Santíssima Trindade etc.
E nós sabemos que é precisamente essa mentalidade de perseguição, acusação e condenação que está por trás, até hoje, da ação dos defensores intransigentes dessa nebulosa “ortodoxia” gramatical.
3. Devaneios de idiotas e ociosos
E quem são afinal esses “lingüistas idiotas e ociosos” que dizem que a língua falada não merece reparo, que a fala é sempre boa etc.? Pasquale nunca dá nome aos bois. Por isso, apesar de sempre escrever “alguns lingüistas”, ele nunca diz quem, onde e quando. Assim, fica fácil deduzir que esse “alguns” é um mero disfarce para seu preconceito contra todos os lingüistas.
4. A quem interessa calar os lingüistas?
Fechamos assim mais um círculo preconceituoso que começa em Napoleão, com seus ataques contra a lingüística, passa por Pasquale Cipro Neto, que elogia Napoleão e segue suas concepções obscurantistas sobre a ciência da linguagem, e termina com Aldo Rebelo, que novamente recorre a Napoleão para justificar seu projeto insustentável de uma lei impraticável. [pg. 163]
A grande diferença entre os lingüistas e educadores que defendem o ensino da norma-padrão e os apregoa-dores da doutrina gramatical arcaica está no fato de que já se sabe hoje em dia que, para aprender as formas mais padronizadas e prestigiosas da língua, não é necessário conhecer a nomenclatura gramatical tradicional, as definições tradicionais, nem praticar a velha e mecânica análise lexical e muito menos a torturante análise sintática.
Ora, todo um longo trabalho de investigação teórica e de pesquisa em sala de aula — no Brasil e no resto do mundo —, trabalho que se faz há pelo menos trinta anos, já deixou muito claro que não é decorando as páginas da gramática normativa que uma pessoa será capaz de falar, ler e escrever adequadamente às diversas situações.
Se existe, porém, uma grande resistência contra o redimensionamento do lugar do ensino da gramática na escola é porque todos sabemos que, ao longo do tempo, o conhecimento mecânico da doutrina gramatical se transformou num instrumento de discriminação e de exclusão social. “Saber português”, na verdade, sempre significou “saber gramática”, isto é, ser capaz de identificar — por meio de uma terminologia falha e incoerente — o “sujeito” e o “predicado” de uma frase, pouco importando o que essa frase queria dizer, os efeitos de sentido que podia provocar etc.

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